Quais as diferenças entre as cassações de Dilma e Collor?

08/09/2016

Em menos de 30 anos, a população brasileira passou por dois processos de Impeachment. Um que não chegou a se concretizar, no início dos anos 1990; e outro que se consolidou e resultou no afastamento definitivo da então presidente da República, Dilma Rousseff. Afinal, como funciona um Impeachment?

Antes de responder de maneira clara à questão acima, vale esclarecer duas coisas: primeiro, Fernando Collor de Mello não sofreu um Impeachment em 1992, como sua “memória cristalizada” julga ter ocorrido; segundo, a situação em que Collor saiu da gestão executiva do Governo Federal foi bem diferente da que Dilma enfrentou. Vamos aos fatos.

 

Collor e Dilma: afinal, como funciona um Impeachment?

Era Collor: inflação x confisco

Fernando Collor de Mello foi o primeiro presidente do país eleito por vias diretas desde Jânio Quadros, em 1960. Sua gestão correu entre março de 1990 e dezembro de 1992.

Um ano antes de Collor assumir a presidência, a inflação oficial bateu a inacreditável marca de 1.764%. Com esse cenário complexo para a economia Nacional, o novo presidente tomou como prioridade uma política que pudesse reduzir esse impacto na vida dos brasileiros. Nasceu ali o Plano Brasil Novo – popularmente conhecido como Plano Collor.

O plano, por si só, era complexo e demandou uma força tarefa gigante para entrar em operação. Entre suas medidas emergenciais, além da alteração de moeda corrente e da tentativa de enxugar a máquina administrativa, foi propor o confisco dos depósitos bancários superiores a Cr$ 50 mil (cruzeiros) pelo prazo de 18 meses, justificando a necessidade de reduzir a circulação de dinheiro pelo país. Mesmo indo de encontro a recém aprovada Constituição Federal, de 1988, o Congresso aprovou a ação.

Naturalmente, a população se voltou contra a medida. Diversos empresários e, até mesmo, aposentados que pouparam por toda a vida, de um dia para o outro, ficaram impedidos de sacar suas economias. Muitos correram para os bancos dias antes da controversa imposição. Houve, inclusive, casos de suicídio de pessoas que pensaram que perderiam suas receitas para sempre. Aquilo, embora também fosse uma medida desesperada por parte do Governo Federal para tentar equilibrar as contas – e, como sempre, com o dinheiro do contribuinte -, foi o início do fim da Era Collor.

Já em 1991, surgiram denúncias acerca de irregularidades administrativas e financeiras daquele Governo. Eram situações que envolviam de ministros a amigos íntimos do presidente e até sua esposa, a primeira-dama Rosane Collor.

Em maio de 1992, o irmão do então presidente, Pedro Collor de Mello revelou o esquema de corrupção à Revista Veja. Pedro destacou que a operação envolvia o ex-tesoureiro da campanha Paulo Cesar Farias – que seria assassinado em 1996, em uma suposta queima de arquivo – Falaremos mais sobre esse caso em outro post.

Collor e Dilma: afinal, como funciona um Impeachment?

O Esquema PC Farias, como ficou conhecido o caso, foi o responsável pela captação de recursos para a campanha de Collor naquelas eleições. Segundo as investigações, boa parte do dinheiro veio por meio de fontes irregulares e ilegais. Depois disso, foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar as denúncias.

Em setembro de 1992, o país ficou tomado por diversas manifestações a partir de vários movimentos, especialmente o estudantil. Aquela ação ficou conhecida como os “caras-pintadas”. Com isso, a Câmara dos Deputados foi pressionada a aprovar a abertura do processo de Impeachment do presidente Collor, em 29 de setembro, com a votação de 441 a 38 votos.

Collor e Dilma: afinal, como funciona um Impeachment?

Tal qual ocorreu com Dilma Rousseff décadas depois, Fernando Collor de Mello foi afastado temporariamente até que o Senado Federal averiguasse as denúncias e votasse pelo seu afastamento definitivo. Collor optou pela renúncia em 29 de dezembro de 1992, antes de ser condenado, quando a presidência do Brasil foi assumida pelo seu vice, Itamar Franco.

Portanto, acerte seu discurso nas mesas de bar com seus amigos e não passe vergonha, dizendo que “…o Collor sofreu um impeachment por muito menos que a Dilma!”. Na verdade, ele abriu mão de terminar sua gestão à frente do cargo, renunciando, embora o caso tenha tido desdobramentos.

 

Collor e Dilma: afinal, como funciona um Impeachment?

Dilma: o pecado mortal das “pedalas”

OK! Você vai chegar neste ponto e poder dizer: “De novo essa história. Eu já sei porque a presidente foi julgada!”. Apostamos que você sabe pouco ainda sobre o fato. Vamos fazer um resumão dos pontos do que ela foi e do que ela não foi acusada e você verá como o contexto se diferencia do caso Collor.

Bom, primeiro vale ressaltar que na época de Collor, o país inteiro, e até mesmo os partidos políticos estavam contra o presidente – só para se ter uma ideia, ele estava até mesmo sem partido. Com Dilma, embora você possa discordar, quase metade da população estava contra ela, muito embora ela tenha sido eleita com pouco mais de 50% dos votos válidos. Isso acabou gerando uma disputa muito mais acirrada, indo além de discussões partidárias e extrapolando os limites para as ruas e espaços públicos em centenas de passeatas contra e a favor do governo.

Pois bem. Em dezembro de 2015, o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha – que seria cassado meses depois -, aceitou a abertura do processo de Impeachment contra Dilma alegando haver indícios suficientes de que a presidente participou na edição de seis decretos de créditos suplementares no valor de R$ 2,5 bilhões, o que estaria em desacordo com a legislação orçamentária. Esse incremento no Orçamento Geral da União veio para equilibrar as contas do Governo de modo que ele pudesse atingir as metas estabelecidas.

A outra acusação, complexamente igual, foi de que o Governo Dilma teria efetuada operações financeiras com bancos públicos, por meio de créditos especiais. Seria uma espécie de empréstimo do Governo para o próprio Governo, o que a legislação impede. Essa ação ficou conhecida popularmente como “Pedalas Fiscais” e seria um acordo com estes bancos que atrasavam os pagamentos ao Tesouro Nacional.

No entanto, Cunha já vinha sendo assediado por outros parlamentares com pedidos de Impeachment desde o Governo Lula até a primeira gestão de Dilma. Mas, o então presidente da Câmara dos Deputados só acatou esta última proposta – rejeitando, portanto, todas as denúncias anteriores.

Sendo assim, não passe vergonha também com seus amigos naquela conversa de papo cabeça, depois de já ter tomado umas e outras, dizendo que “… a Dilma foi cassada pela Lava-Jato e devido as pedalas fiscais de 2014 e do Governo Lula, além de ela ter afundado a Petrobrás!”.

O que a Comissão Parlamentar de Inquérito julgou foi somente o caso dos seis decretos e das “pedalas fiscais” de 2015, e ponto. Mesmo assim, o caso passou pela Câmara dos Deputados – em cômica votação do “pelo meu cachorro, pela minha galinha, pelos meus tios, etc., eu voto SIM!” – e também pelas cansativas sessões do Senado Federal, conduzidas pelo ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal – onde talvez seu repertório de novas palavras tenha crescido com os eloquentes discursos do ministro, caso tenha assistido um pouco: como “egrégia casa”, o que seria um tanto quanto antagônico, já que é sinônimo de “local que inspira admiração”.

Collor e Dilma: afinal, como funciona um Impeachment?

Com a queda de Dilma, quem assumiu, assim como na época de Collor, foi o seu vice, Michel Temer.

Afinal, como funciona um Impeachment?

Collor e Dilma: afinal, como funciona um Impeachment?
A lei do Impeachment é de 1950 (Lei Federal nº 1.079) e ela estabelece, caso julgado procedente, que o presidente em questão perda o seu mandato por conta de crimes de responsabilidade.

Quem recebe a denúncia é a Câmara dos Deputados, que pode aprovar o início das averiguações. Nessa etapa, se os Deputados Federais foram favoráveis, o presidente será afastado temporariamente (180 dias) até que as investigações sejam concluídas. Na sequência, quem passa a analisar os fatos e se transforma em um Tribunal Especial, é o Senado Federal – quando passará pela votação final. Em suma, quem averigua e dá sequência no afastamento de uma ou de um presidente é o Poder Legislativo do Brasil (Câmara e Senado Federal).

Há prazos específicos para serem cumpridos em todas as etapas. Além disso, para o processo de Impeachment ser instaurado é necessário a aprovação de 2/3 da Câmara dos Deputados (342 dos 513 deputados federais).

Mas, quais são esses crimes de responsabilidade? Previsto em lei são oito:

  • Contra a existência da União;
  • Contra o livre exercício do Judiciário, Legislativo e dos Poderes constitucionais dos Estados;
  • O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
  • A segurança interna do país;
  • A probidade na administração;
  • A lei orçamentária;
  • A guarda e o legal emprego do dinheiro público;
  • O cumprimento das decisões judiciárias.

 

Vale lembrar que não é só um presidente da República que pode sofrer um Impeachment. Qualquer membro do Executivo, em todas as esferas, pode ser julgado da mesma forma: governadores, prefeitos e até mesmo ministros.

E, o mais interessante e que talvez você não sabia, QUALQUER PESSOA, mesmo não sendo vinculada a partido ou mesmo que ocupe cargo eletivo, pode formalizar um pedido de Impeachment. Basta protocolar a denúncia contra a pessoa com função pública na Câmara dos Deputados em que responda o cargo do denunciado. Obviamente, você que pretende derrubar o seu governador, precisa ter provas cabíveis para serem averiguadas.

Pronto, você está preparado para impressionar seus amigos na mesa de bar. Partiu?