Peste bubônica e Antraz podem ressurgir com o degelo na Sibéria

20/07/2017

Historicamente, humanos dividem espaço com vírus e bactérias.  E sempre evoluímos para resistir a eles, independente de qual forem. Porém, assim como nós, vírus e bactérias também evoluíram e encontraram formas de nos infectar. Desde quando Alexander Fleming criou a penicilina, a luta entre antibióticos e bactérias e vírus só cresce. E essa batalha parece não ter fim. Algumas doenças que pareciam extintas, como a peste bubônica, podem voltar. Com a quantidade de patógenos desenvolvemos um impasse natural.

Mas e se, de repente, ficássemos expostos a vírus e bactérias que estavam adormecidas por mais de mil anos ou que nunca tivemos contato antes? Parece que estamos prestes a descobrir isso. Com o degelo, solos nunca antes descongelados estão liberando vírus e bactérias antigas.

Em agosto de 2016, um garoto de 12 anos, morador de uma península no Ártico, morreu e outras 20 foram hospitalizadas depois de terem sido infectadas pelo antraz. A teoria diz que, mais 75 anos atrás, uma rena infectada morreu e sua carcaça ficou presa no solo congelado que foi acumulando camadas e camadas de gelo em cima. E lá ficou até uma onda de calor que atingiu o local no verão de 2016 e tudo começou a derreter.

Reindeer (Rangifer tarandus) migrating (Credit: Eric Baccega/naturepl.com)

Esse degelo trouxe à superfície, não só diversos cadáveres dessas renas, mas também o vírus antraz quem havia infectado os animais. Com isso, a água e o solo das redondezas foram contaminados, assim como as fontes de comida da população. Estima-se que mais de 2000 renas foram infectadas, levando a contaminação de humanos.

E o medo é que isso não seja apenas um caso isolado. Com o aquecimento da Terra, mais desses solos congelados derreterão. Normalmente, todo verão, 50 cm de gelo derretem. Porém, a previsão é de que passe desse número e atinja camadas mais antigas desses solos.

Esses solos congelados são lugares perfeitos para vírus e bactérias permanecerem vivos por longos períodos, talvez até milhões de anos. O que, consequentemente, vai trazer a tona inúmeros tipos de novos vírus.

Segundo o biólogo evolutivo Jean-Michel Claverie, da Universidade da França, o solo congelado a muito tempo “é um excelente conservador de micróbios e vírus, porque é frio, não há oxigênio e está escuro”. Alguns virus que causaram epidemias no passado podem estar congelados nessas camadas de solo.

Permafrost in Svalbard (Credit: Wild Wonders of Europe/de la L/naturepl.com)

Na região do Ártico onde a rena foi encontrada, estima-se que mais de um milhão de outras renas morreram pelo virus antraz. O que acontece é que não se cavam covas profundas para enterrá-las. Assim, elas acabam ficando perto da superficie nos mais de 7000 cemitérios de animais espalhados pela Russia.

Mas além do antraz, o que mais está enterrado nesse solo congelado? Sabe-se que pessoas e animais foram e são enterrados nesses espaços de terra desde sempre, o que significa que outros agentes infectuosos podem ser liberados. Cientistas descobriram fragmentos de um DNA contaminado com o virus da gripe espanhola de 1918 nas tundras do Alasca.
A varíola e a peste bubônica também podem estar enterradas na Sibéria.

Em 1890, houve uma grande epidemia de varíola na Siberia. Uma cidade perdeu 40% de sua população, que foi enterrada nas proximidades de um rio. 120 anos depois, esse rio começou a subir de nível e o processo de degelo do solo tem sido ainda mais rápido.

Cientistas do Centro Estadual de Pesquisa de Virologia e Biotecnologia estudaram restos de pessoas da idade da pedra e também estudaram cadáveres que morreram de epidemias no século 19. Os resultados mostraram características parecidas com a varíola, mas não a bactéria propriamente dita.

Bacteria have been found dormant in Antarctic ice (Credit: Colin Harris/Era Images/Alamy)

Alias, não é a primeira vez que uma bactéria congelada no solo reaparece. Em 2005, cientistas da NASA ressuscitaram uma que estava congelada em um lago do Alasca por mais de 32 mil anos. Dois anos depois, cientistas ressuscitaram uma bactéria de 8 milhões de anos que estava dormente debaixo da superfície de uma geleira nos vales da Antártida.

Mas nem todas as bactérias conseguem voltar à vida depois de serem congeladas. O caso do antraz é simples: esse vírus tem esporos que são resistentes e podem sobreviver congelados por décadas. Outras bactérias tem a mesma característica, podendo sobreviver no solo congelado por anos.

Num estudo em 2014, Claverie descobriu um vírus que estava enterrado a mais de 30 mil anos. Logo depois de ressuscitado, o vírus se tornou infectuoso, o que sugere que outros vírus enterrados podem infectar humanos se, de fato, forem descongelados.

O aquecimento global pode não afetar os solos diretamente. O mar também está derretendo na Sibéria e novos meios de exploração estão surgindo na região. Essa exploração pode trazer a tona vírus ainda desconhecidos pela ciência.

Um fevereiro de 2017, a NASA descobriu vírus dentro de cristais em minas mexicanas. Assim que removidas das bolhas do cristal, essas bactérias reviveram e se multiplicaram. Essa espécie pode nunca ter sido estudada antes.

Selenite formations in Lechuguilla Cave (Credit: Paul D. Stewart/naturepl.com)

A bactéria foi entrada numa caverna tão isolada que nunca viu a luz do sol e que agua da superfície demora 10 mil anos pra chegar até lá. E mesmo assim, essa bactéria foi resistente a 18 tipos diferentes de antibióticos, incluindo alguns considerados os mais potentes no combate a infecções. Isso sugere que bactérias criam resistência a antibióticos naturais sozinhas e que essa resistência existe há muito tempo. Como não tiveram contato com humanos, essa resistência não vale no caso de antibióticos criados em laboratórios.

No entanto, a resistência natural aos antibióticos é provavelmente tão prevalente que muitas das bactérias que emergem do degelo do solo já podem ter ou ser. Assim, em um estudo de 2011, cientistas extraíram DNA de bactérias encontradas em solo congelado de 30 mil anos na região de Beringian, entre a Rússia eo Canadá. Eles encontraram genes que codificam a resistência aos antibióticos beta-lactâmicos, tetraciclina e glicopéptidos.

Nesse sentido, quanto devemos nos preocupar?

Com relação às bactérias presentes nos solos congelados, ainda não. Ainda não. Porém, devemos nos concentrar em ameaças causadas pela mudança de clima. Por exemplo, à medida que a Terra aquece, os países do norte se tornarão mais suscetíveis a surtos de doenças “do sul” como malária, cólera e dengue, pois esses patógenos prosperam a temperaturas mais quentes.

Claverie disse que devemos ficar atentos aos riscos mesmo quando não podemos quantificá-los. “Existe agora uma probabilidade não nula de que os micróbios patogênicos possam ser revividos e nos infectar”, disse ele. “É provável que isso não seja conhecido, mas é uma possibilidade. Podem ser bactérias curáveis ​​com antibióticos, bactérias resistentes ou vírus. Se o patógeno não esteve em contato com seres humanos há muito tempo, então nosso sistema imunológico não está preparado. Então, sim, isso poderia ser perigoso”.

Fonte: BBC