Músicos e a Ditadura Militar

13/08/2012

É triste, triste mesmo, eu ter que escrever um texto para explicar algo tão obvio. A única explicação que encontro para é que boa parte das pessoas não conseguem raciocinar sem a ajuda da opinião alheia e por isso acabam engolindo todo tipo de balela. Por preguiça de pensar ou de ir atrás para descobrir a realidade dos fatos adotam idéias idiotas, o que por fim, os transforma em idiotas, pois quando nada se sabe tudo é válido.

Entre essas balelas que permeiam em nosso meio social, a pior, com toda certeza é a que ganha reconhecimento histórico. Como diz o ditado “Uma mentira dita mil vezes se torna uma verdade”. Quando uma grande mentira vira verdade, ela se enraíza na mente coletiva e dificilmente você consegue arrancá-la de lá. As pessoas ainda não perceberam que a verdade da História não é aquilo que nos contam, não é aquilo que está no livros da Escola, ou que está estampada nos jornais. Essa é apenas uma versão da História, quase sempre construída pelas elites, que optam em cria-la de um modo que as beneficie.

Na História do Brasil, talvez nenhum outro acontecimento criou tantos mitos e distorções que se tornaram verdades do que a “Ditadura Militar”. O regime que teve seu inicio com o golpe militar de 1 de abril de 1964 estabeleceu um dos marcos mais negros e controverso da nossa História. O episódio deixou marcas que perduram até hoje, entre elas, o assunto desse post, a falsa idéia que os músicos foram heróis no combate opressão militar.

Quando a aspecto ditatorial se implantou após a deflagração do golpe, a forma que os militares encontraram de evitar revoltas populares e oposição ao novo governo foi eliminar qualquer possibilidade que pudesse incitar rebeldia e então a “liberdade de expressão” bateu asas e se afastou do Brasil por um longo tempo. Além disso, o governo militar queria “corrigir” a postura brasileira, com uma forte base de moralismo e conservadorismo.

Para concretizar seus planos, começaram a restringir o contato do público com qualquer fonte de influencia, que eles consideravam negativa, para o progresso da instauração dos pontos anteriormente citados. A AI-5 classificou tudo que atingia as grandes massas, como a imprensa e a música, sendo que e essa ultima acabou como alvo da censura por ser considerada pelos militares como “possível formadora de opinião pública”. Não que música forme opinião, já que ela é muito limitada para isso (quem forma ela geralmente é a filosofia e o padrão de vida adotada pelo músico que comumente são imitados pelos fãs e simpatizantes e não a Música em si). De maneira semelhante, assim como hoje naquela época os músicos tinham muitos fãs, que seguiam sua forma de pensar, se comportar, se vestir…. e os militares perceberam que se um deles resolvessem ir contra o governo, isso podia acabar em muita confusão. A partir daí a censura ficou no encalço dos músicos.

Movimentos musicais como Tropicália que apesar de não apresentar um teor político, representavam um caráter social-cultural diferente do que havia sido estabelecido pelos militares. Em verdade, esses movimentos apresentavam ideais “hippies”, na velha e sempre presente importação de cultura estadunidense que quando pisa em terras tupiniquins, ganha nova roupagem, pelo fator “abrasileiramento” que tenta dizer que é algo novo, porém não passa de mais do mesmo já visto lá nos EUA.

Ainda que a censura antes de 1967 já fosse atuante, ela começou a ganhar forças quando esses cantores que encabeçavam esses movimentos produziram certos episódios que, na visão paranoica ditatorial, teria sido um afronte ao regime.

O terror da censura cresceu assustadoramente e tivemos vários casos de prisões, tal como a ocorrida em dezembro de 1968, data que Caetano e Gil foram presos sob a acusação de que tinham desrespeitado o Hino Nacional, cantando-o aos moldes do tropicalismo na boate Sucata, e uma ação que queria mover um grupo de católicos fervorosos, ofendidos pela gravação do “Hino do Senhor do Bonfim” (Petion de Vilar – João Antônio Wanderley), no álbum “Tropicália ou Panis et Circenses”. Juntou-se a isto a provocação de Caetano Veloso na antevéspera do natal de 1968, ao cantar “Noite Feliz” no programa de televisão “Divino Maravilhoso”, apontando uma arma na cabeça. O resultado foi a prisão e o exílio dos dois baianos em Londres, de 1969 a 1972.

Chico Buarque também começou a sofrer perseguições. Suas músicas eram modificadas por conta das alusões que fazia contra o regime. Igualmente, Elis Regina e suas músicas receberam um “sufoco” governamental. Não que elas fossem diretas ou que movessem multidões, ou que explanassem opiniões que gerariam revolta popular…. não, nada disso! A maioria sofria censura porque o governo militar era paranoico e não queria deixar pontas soltas, tanto que as mensagens cifradas nas canções eram sempre de maneira implícita e poucos eram aqueles que as percebiam. É nesse ponto que começamos a análise dos fatos dessa questão histórica e você vai compreender quem é que realmente salvou nossas peles dos milicos.

Com o fim definitivo da ditadura militar em 1988, data qual a nossa atual Constituição Federal foi instituída, o povo iniciou o processo de “classificação” dos “heróis” da liberdade. Para o povo, dar títulos de tamanho mérito à uma massa sem rosto, como era o caso dos Rebeldes Políticos e principalmente da união estudantil , os verdadeiros heróis e responsáveis por essa revolução, era muito difícil. Eles simplesmente adotaram à ideia transmitida pela televisão e pelas rádios, que por motivo obvio – o aumento da visibilidade desses artistas e músicos, o que resulta em dinheiro – principiaram uma marcha de “idolatria” ao heroísmo desses artistas e músicos, como se os mesmos tivessem lutado com unhas e dentes contra a ditadura, coisa que não aconteceu nem de longe. De fato, eles tiveram muita coragem ao enfrentar o regime e suas músicas viraram hinos de alguns protestos estudantis, porém, além disso, nada mais foi feito por eles.

Para você ter noção, a maior parte deles foram exilados para a Europa e como no caso de Caetano e Gil, que ficaram de 1969 à 1972 em Londres, viveram em casas confortáveis e ainda recebiam uma considerável quantia em dinheiro para se manter sem precisar trabalhar. Isso é lutar contra a ditadura?! Que luta, hein! Compará-los com espartanos é pouco!

Os nossos outros “heróis” como Chico Buarque, Geraldo Vandré e Elis Regina, entre outros nomes da MPB, passavam suas tardes nos bares e as noites em rodas de música, quando não estavam em shows e festivais, cantando e aproveitando a vida (realmente, é nessas horas que você percebe o quanto “essa luta” da parte deles foi árdua). Uma vez ou outra foram presos, outros exilados, (uns poucos torturados, como Geraldo Vandré) mas nunca devido ao confronto com as forças armadas e sim porque os militares viam ameaça em tudo… tudo mesmo! (se você fosse torcedor do Internacional e se resolvesse usar a camisa vermelha do time, na hora eles iriam pensar que você era comunista, eles desconfiavam de tudo!)

Já nossos estudantes e os rebeldes políticos, esses sim, tiveram suas vidas destruídas na luta pela causa. Desapareciam, tinham suas vidas destruídas, suas famílias ameaças, isso quando não acabavam sendo torturados quase até a morte (ou até a morte). Mesmo assim, nunca desistiram, sempre lutando, sempre em frente, encarando aquilo que viesse sem medo, enfrentando cara a cara o governo. Ah, se esses jovens não tivessem existido, o que seria de nós hoje?! Sem a luta deles, nossa liberdade nunca seria alcançada! E como nós retribuímos? Nós intitulamos os “músicos” como os principais heróis do declínio da ditadura no Brasil! Pergunto a você leitor: E se fosse o contrário? E se esses músicos não tivessem existido você acha que o povo não iria lutar pela liberdade por que não escutaram essas músicas?

Decerto, não é porque fulano escutou um trecho de uma música como Cálice de Chico Buarque (“Como é difícil / Acordar calado / Se na calada da noite / Eu me dano / Quero lançar / Um grito desumano / Que é uma maneira / De ser escutado / Esse silêncio todo / Me atordoa / Atordoado”) que ele simplesmente abandonou tudo e saiu em luta da liberdade! Até concordo que alguns livros e artigos de jornais têm determinado poder de mudança na vida das pessoas, mas uma música? Música é apenas entretenimento, por mais que muita gente lute contra isso, essa é a realidade, não adianta querer fugir dela e tentar agregar valores por meio de falácias ao objeto. Dizer que uma música vai fazer você sair de casa para arriscar a sua vida na luta contra um governo ditatorial, sem que o individuo já carregue consigo uma carga muito grande de vontade e idéias favoráveis ao ato é muito imbecil! A música não tem esse grau de poder de influência e nunca vai ter. E é isso que eu quero que vocês percebam: A ditadura acabaria da mesma forma se os músicos não existissem, mas se os estudantes e os rebeldes políticos não existissem, ela estaria implantada até hoje porque uma dezena de músicas contra a ditadura não faz um governo cair. Analogamente, é como se eu, no papel de um internauta, publicasse nas redes sociais palavras de ordem contra a corrupção e quando me convidarem para um protesto aqui na minha cidade, eu recusar o convite e ficar com a bunda colada na poltrona, na frente do monitor. Até pode ser, considerando as mais mirabolantes possibilidades que as minhas palavras podem ter ajudado em algo outra pessoa que já estava engajada à participar do protesto, mas nunca será o princípio gerador da vontade desse individuo, nem o motor que fará com que ele saia da sua zona de conforto para guerrear. Se ele foi protestar, pode ter certeza que as idéias já estavam estabelecidas em sua consciência há tempos!

Por fim, creio que os defensores desses absurdos sejam frutos das campanhas maçantes que foram realizadas após 88 para glorificar os músicos que presenciaram de perto a ditadura através da vitimação. Nenhum deles leu uma frase ou sabe o que foi o regime ditatorial. E se sabem e ainda defendem essa idéia de “músicos” heróis que “lutaram” contra a ditadura é porque são meros idiotas, do tipo irreversível. Da próxima vez que o assunto em pauta for “Ditadura Militar” pense bem no que você vai falar: as vezes, pode ser um mito disfarçado de verdade e você nem sabe! “Correr atrás e estudar” é ainda a maneira mais fácil de descobrir a realidade por detrás dos fatos.