Cyberbullying: Caso Julia Gabriele

23/04/2013

cyberbullying

Novamente e mais uma vez nos deparamos com um caso de cyberbullying que fez o maior fusuê e levantou muitas questões, entre elas, a proibição do acesso da criança a Internet e a invocação do temível ID Digital. Li o caso no site Literatortura e trouxe para os leitores do Ah Duvido analisarem. Gostaria da opinião de vocês sobre as questões levantadas pelo caso.

Acredito que muitas pessoas aqui irão discordar do artigo, porém, como sempre falo, o comentário é aberto para isso, para você dar a sua opinião e expor suas idéias. Ninguém é dono da verdade, todavia, creio que bom senso é sempre necessário e logo, peço aos comentaristas que se atenham ao texto e parem com trollagens e babaquices.

Confira:

JULIA GABRIELE BULLYING

A História

Essa parte da matéria terei que ir editando com o tempo, pois a história da Julia Gabrielle, 11 anos, ainda não está muito clara. O boato mais forte, agora, é de que ela tenha se suicidado. Isso por conta de uma (suposta) postagem no facebook da própria mãe, que dizia “VOCÊS MATARAM MINHA FILHA!” – escreverei mais sobre boatos ao final da postagem, vamos ao que, por hora, é “oficial”.

Julia Gabrielle, 11 anos, apenas 11 anos, ainda criança, 11 anos, mal chegou na época em que precisa de 2 números para contar a idade, 11 anos, mal chegara na época em que você não pode mais contar a idade com os dedos das mãos, 11 anos. Mal chegara na idade de se preocupar com beleza… ou… já deveria?

Ficou notável que insisti, a todo instante, na idade da Julia, pois é algo elementar para compreender toda a discussão que se seguirá. A criança, como quase toda hoje em dia, possuía um perfil no facebook, onde, como qualquer pessoa normal, postava suas fotos e gostos. Pois uma dessas fotos chegou nas mãos de um “jênio do humor” – daquelas que a gente tem visto de monte por aí: “DKSAPDKA humor negru rlz” – e acabou tomando proporções gigantescas:

Em suma, Julia Gabrielle foi vítima de piada por causa dos pelos faciais, principalmente da sobrancelha.

Você consegue imaginar a situação? A criança implorando para pararem, sendo submetida a uma tortura psicológica, enquanto os piadistas insistiam em continuar tirando sarro. Eu vou deixar a parte da “zoação” para discutir depois, mas eu gostaria de um exercício de imaginação muito simples: imagine-a chorando, ao lado da sua mãe, postando súplicas pras pessoas pararem e, em contra partida, as piadas apenas aumentavam.

É realmente deplorável. E eu odeio parecer maniqueísta, mas, não há maniqueísmo nenhum em minha ação. Há, na verdade, um caso de crueldade muito sério, que, ao primeiro instante, pode parecer superficial ou algo perto disso. Mas, não, não é.

A “”brincadeira””

Não sejamos hipócritas, é lógico, “brincadeiras” como essa acontecem o tempo todo e são, por si só, triste de se ver. Mas, digamos, que, em um momento, ela não cruze uma linha de tanta ‘seriedade’. É algo fugaz, rápido, algo que existe demanda na internet – e muitas páginas alimentam-na -. Não estou dizendo que o fato, por si só, já não é grave, mas que, ainda mais sério, foi a insistência na piada quando a menina já se mostrava frágil, triste, atingida. Não só ela, como sua mãe e seu pai.

A permanência – até agora – das piadas é algo deplorável. E, provavelmente, devem acontecer também nesse post – espero eu que não.

“Tem que raspar mesmo…”

Em resumo, esse foi o comentário de centenas de pessoas. E eu pergunto: tem que raspar mesmo? Sei lá… cabe a cada um, ora bolas. Mas, talvez, não coubesse a Gabrielle – e isso torna o caso muito mais triste -. Repito: ela tinha apenas 11 anos e, com essa idade, não existe tanta autonomia para certas ações. Talvez ela desejasse, mas tivesse vergonha de pedir para sua mãe. Sim, isso é normal. Eu mesmo, com 11/12 anos, tinha “bigode de criança” e morria de vergonha para pedir aos meus pais ajuda, ou admitir que já estava na hora “disso”, por mais visível que fosse. Imagine, então, uma menina com a idade dela.

Veja bem, eu não estou dizendo que ela deveria ou não raspar, estou apenas mostrando que em todas as hipóteses possíveis, a criança permanece sendo a vítima.

a) Ela queria raspar, mas, pela idade, não tinha coragem.

b) Ela não queria raspar.

Independente de qual for a resposta, nenhuma delas faz da Julia merecedora de tanta gozação.

É lógico que a sociedade possui padrões e rejeita o que for diferente a ela. Isso sempre aconteceu e sempre acontecerá, todavia, com a internet, tudo ganha mais força, mais velocidade, mais intensidade. Se estrelas nascem de um dia para o outro, outras morrem – e nem falo da morte física da Julia, que ainda é um mistério -, mas falo de tudo o que ela JÁ passou. O constrangimento virtual e físico, a vergonha de ir à escola, o pai ter que ir à delegia depois de um dia inteiro de trabalho, o choro da mãe, a necessidade de apagar todas suas fotos do facebook para tentar evitar ainda mais polêmica. Tudo o que Julia já viveu nesses últimos dias não é para qualquer -e por isso eu torço firmemente para que ela ainda esteja viva.

Tratarei agora de alguns pontos mais gerais, que li nos comentários e, provavelmente surgiriam (ou surgirão) por aqui caso eu não escrevesse desde já – aí eu teria que responder individualmente cada um. Por isso, sempre antecipo algumas coisas, como vocês já sabem.

Facebook não é para criança

Relativo. Não existe uma lei que diga com quantos anos uma pessoa possa ter um perfil em qualquer rede social do mundo [menos as eróticas, lógico]. O facebook é a “segunda casa” de muita gente e não é de hoje. Evitemos a hipocrisia. Ele está aí e está para todo mundo, não apenas para quem você acha que deveria estar. E, pela criança, nada de “vexatório” era postado. Se alguém não deveria ter acesso ao twitter, facebook, orkut, google +, essa pessoa, certamente, não é a Julia, mas sim o tipo de gente que se mantém numa posição agressiva de “troll”.

Aliás, dizer que o facebook não é para criança me parece uma posição absurdamente radical. Onde estamos? Em uma selva, onde não há gente civilizada? O facebook é um antro de animais sedentos por carne nova? Se essa é a esfera que determinadas pessoas têm da rede social, bem, é preciso trocar as páginas curtidas, os amiguinhos e, inclusive, a maneira de se relacionar. Eu tenho uma prima de nove anos que não faz nada mais do que postar suas fotos e brincar com as amigas. ISSO é errado?

Pode-se questionar o tempo que as crianças passam no computador, mas, não para ESSE caso, pois, mesmo se ela passasse 24 horas na internet, isso também não justificaria nenhuma agressão – e se você acha que justifica, aí fica complicado de manter uma discussão razoável.

Para explicar para as pessoas persistem no questionamento da idade e a permissão da rede, vamos à um exemplo real: Uma das pessoas perguntou o que faz uma criança de 11 anos em uma rede social que só “aceita” acima de 13 – como se isso fosse realmente alguma coisa. Engraçado é que, nesse caso, em particular, o jovem de 14 anos, autor do questionamento comenta em postagens em outros sites para maiores de 18 anos, gerencia uma página ERÓTICA no facebook e faz comentários sobre pornografia na internet. Ou seja… pornografia não é só para maiores de 18? COMO DIABOS ele acessa se ele só tem 14? Ora… sabe por que? Porque quando convém, a pessoa solta qualquer tipo de argumento, sem fazer uma reflexão básica.

Culpa dos pais

Essa foi uma das que eu menos entendi, sinceramente. Do jeito que as pessoas são, eu não captei se algumas falavam da “liberdade” que ela tinha no facebook, ou da “genética” de Gabrielle. Independente do que for, jogar a culpa para os pais por uma coisa que o mundo causou, é muito fácil. Como se eles já não estivessem arrasados o suficiente, alguns comentaristas à lá educadores que não possuem o menor conhecimento da área, querem jogar a responsabilidade para o lugar comum: ou os pais, ou o governo. É difícil entender que só há um culpado. E eles não são nem os pais, nem o governo [!?], nem a própria Julia. Os únicos culpados são os piadistas.

Aliás, pelo que me parece, a criança não tinha nenhuma liberdade maior do que qualquer pessoa normal de sua idade. Ela só postava fotos, coisa sobre seus ídolos etc. Nada que fosse vergonhoso ou absurdo para sua própria imagem ou da sua família.

– “pq ela não podia fazer a sombrancelha e ae todos parariam de zoar ? “

Retirei diretamente de um comentário no facebook. Acredito que isso tenha sido explanado acima e não seja necessário explicar tudo novamente. Mas, vale a repetição: ou ela poderia ser muito nova, ou ela poderia não querer. Independente de qual é a resposta, isso não justifica nenhuma ação do tamanho da que aconteceu.

“Você nunca tirou sarro de nenhuma pessoa?”

Defender-se com esse tipo de argumentação é digno de pena. Eu estudava com um colega que passou pelos mesmos problemas da Julia. Assim que ele entrou na classe, logicamente, tornou-se alvo de pequenos comentários. A “brincadeira” chegou até o ouvido dele? Sim, foi feita, inclusive, perante ele [não por mim, que fique claro]. Todavia, não passou JAMAIS de uma “gozação saudável”. Ele tornou-se amigo de todos e sempre souberam qual o limite entre uma rápida piadinha e um bullying cruel. Hoje ele sai com todos e se diverte normalmente.

Não estou a defender a radicalização de que tudo é bullying. Quem acompanha o site, sabe que sempre reitero um ponto importantíssimo: o – tão esquecido [se é que eu um dia foi lembrado] – bom senso. Existiram as primeiras piadas com a menina? “Ok”. Ela suplicou para que parassem? Significa que já havia passado o limite há tempos. Ademais, o bom senso já é chutado quando marmanjos da internet resolvem avacalhar com uma criança de 11 anos.

E se tudo for mentira?

Me parece até bestial acreditar nisso, mas, como a internet é a internet e li alguns comentários a respeito, apenas deixo claro que “se tudo for mentira”, isso não muda nada, pois o que foi dito em torno da criança mesmo depois do fato começar a estourar, serve de exemplo para tudo o que foi tratado aqui. É exatamente como disse lá em cima, mesmo depois de todo o caso começar a sair – até com o possível suicídio da criança -, as piadas e os comentários maldosos ainda persistiam e se for tudo mentira? “(se ela se matou) (eu também já sofri cyberbully) Ela é fraca”

Típico julgamento de quem está completamente por fora da discussão e só consegue enxergar o próprio umbigo. “Eu já passei por muito pior”, parabéns campeão, já retirou sua medalha hoje? A sua experiência não é a mesma experiência que o outro tem. Existe o indivíduo e ele deve ser tratado com o respeito que lhe cabe, não que o respeito que cabe a você. Entendam isso, nós não estamos falando do fulano ou do cicrano, estamos falando de uma criança de 11 anos.

ID Digital

Muitas pessoas, nas conversas sobre o caso em outros fóruns apontaram como solução do problema o temível ID Digital – Identidade Governamental Digital – aonde todo indíviduo que entrar na Internet teria que ter uma identidade digital sendo impossível qualquer tipo de anonimato e mais: toda ação do usuário na Internet geraria um log que seria enviado para entidade governamental competente. Ou seja, sua liberdade na Internet acabaria, entretanto, não haveria mais casos como esses ou outros mais extremos como pedofilia, racismo e todo tipo de barbarie tão comum na web atual. Seria o preço a pagar pela ordem? Você abriria mão da sua liberdade para que enfim tudo entrasse nos eixos?

Comentários Finais

Eu espero, de todo coração, e acredito, que a Julia esteja viva e seu suicídio tenha sido apenas um boato [tanto é que não me foquei nisso ao longo do texto]. Também deixo claro que vou atualizando a postagem assim que novas notícias forem divulgadas. Vocês devem ter percebido que tudo foi escrito e coletado em pouquíssimo tempo, assim, possíveis falhas (espero eu) devem ser perdoadas. Eu não tratei diretamente, mas, com toda a explanação acerca do acontecimento, espero que tenha ficado claro o porquê de o cyberbullying ser muitíssimo perigoso.

FONTE: LITERATORTURA