Como e por que doar o seu corpo para a ciência?

21/06/2017

Para alguns, a ideia de doar o corpo para ciência soa bastante desagradável ou até mesmo horripilante. Afinal, quem teria coragem de fazer uma coisa dessas? Imagens de pessoas fatiadas e com pedaços espalhados por todos os lados não são divertidas nem um pouco divertidas. E esse nem é o pensamento dos estudantes de medicina ou pesquisadores que, possivelmente, riem sobre os corpos doados.

Outras pessoas, no entanto, veem a doação do corpo para a ciência como um esforço nobre – possivelmente o mais nobre que existe. Deixar aqueles estudantes e cientistas usarem cada músculo, osso e fibra do seu corpo, sabendo que esse estudo vai melhorar a vida de todos aqueles que virão depois de você. Talvez o seu humilde corpo vá ser o único a produzir as pistas necessárias para descobrirmos a cura para o câncer. Já pensou nisso?

Quantos corpos são doados anualmente?

Quaisquer que sejam seus pensamentos sobre o ato de doar o corpo a ciência: saiba que há uma necessidade crítica de cadáveres para estudos e pesquisas. Não existem estatísticas precisas sobre o assunto já que não há uma organização reguladora ou uma central de monitoramento, mas especialistas estimam que entre 10 mil e 15 mil corpos são doados anualmente para escolas médicas apenas nos Estados Unidos. O número cresce ainda mais com doações adicionais vindas de entidades privadas, corporações e agências governamentais.

Um artigo de 2009 escrito por um professor da Universidade de Harvard disse que o número anual de corpos doados nos Estados Unidos para todos os grupos foi de cerca de 20.000, um número que parece bastante representativo. Porém, para que você não ache que essa quantidade representa uma verdadeira riqueza de corpos, uma associação de Illinois (EUA) estima que esse número poderia ser de cerca de 425 mil cadáveres por ano.

O que a religião diz sobre o assunto?

Você está interessado, mas preocupado se a suas crenças religiosas permitiram tal doação? Saiba que a maioria das religiões realmente apoiam a doação de corpos para a ciência, com o propósito claro de ajudar o próximo. Os batistas, por exemplo, veem a doação do corpo como um ato de caridade. Já o catolicismo diz que doações de órgãos e tecidos são um ato de amor

O Hinduísmo diz que doar o corpo não é proibido por nenhuma lei religiosa – a decisão cabe inteiramente a você. Todos os quatro ramos do judaísmo encorajam as doações de corpo para a ciência. E, embora as Testemunhas de Jeová tenham regras restritas quanto a transfusões de sangue, a religião não se opõe a doação de corpos desde que o sangue seja removido dos órgãos e tecidos. A maioria dos estudiosas islâmicos também dizem que a doação de órgãos é permitida, mas não do corpo todo.

Como o seu corpo será tratado nos hospitais?

Os hospitais geralmente tratam os corpos doados com muito respeito. Na Universidade do Kansas, por exemplos, os estudantes de medicina são informados com o nome dos falecidos e também como eles morreram antes de os alunos começarem a usar os corpos como parte dos estudos.

Boa parte das universidades que recebem corpos doados realizam um serviço anual para homenagear os doadores. Preocupada com a parte ambientam, uma organização até que conecta doadores de corpo inteiro com instituições médicas, comprometendo-se a plantar uma árvore para cada corpo doado.

Porém, antes de você se decidir de forma definitiva com relação a doação de corpo para a ciência, vale a pena continuar a leitura e descobrir mais sobre esse assunto.

Como exatamente funciona a doação do corpo para a ciência?

Não há um processo mundialmente estabelecido para a doação e corpos uma vez que cada organização realiza o procedimento de acordo com um conjunto próprio de regras. No entanto, o processo geralmente funciona da seguinte maneira: primeiro você deve decidir para onde você quer que o seu corpo vá depois da morte. São muitas opções. Uma escola particular, uma universidade médica (a opção mais comum), uma organização privada ou uma agência do governo?

Depois, você precisará preencher um formulário de consentimento antes de se manifestar para a instituição. Também é recomendado deixar a família ciente de sua decisão e fazer anotações a respeito desse assunto em seu testamento. Porém, também é possível que a sua família tome essa decisão de doar o seu corpo – caso você já não tenha feito isso – no momento da sua morte.

Depois que você morrer, a instituição escolhida irá determinar se ela vai aceitar o corpo ou não. Sim, acredite: não há garantias de que isso vá de fato acontecer, muito embora seja raro. Embora alguns fatores como idade e a etnia não sejam tão importantes, portadores de HIV ou que tenham a morte relacionada a AIDS, hepatite B ou C, sífilis, insuficiência renal, infecção bacteriana ou viral, ou um trauma muito grande geralmente são recusados por instituições. Cadáveres que possuam mais de 136 kg também acabam sendo recusados.

Portanto, considerando que isso pode acontecer, é muito bom preparar opções alternativas para caso a instituição de destino recuse o seu corpo na hora da doação. Você não vai querer ver (mesmo que morto) os seus entes queridos de repente encalhados com o seu corpo nas mãos.

Corpo aceito

Se o seu corpo for aceito pela instituição escolhida, a organização geralmente cobre todos os custos envolvidos no processo. Isso inclui o transporte, apresentação do atestado de óbito, a cremação após o uso (caso seja breve) e o retorno dos restos cremados. Contudo, algumas instituições exigem que você providencie a entrega do corpo para eles, especialmente se estiver localizado em outro estado.

Mas o que acontece se o seu corpo estiver na mão de uma instituição particular? Aí vai depender de onde o seu corpo foi doado e qual é a missão dessa organização. A maioria dos lugares vai deixar o seu corpo para uma finalidade específica – eles geralmente querem usufruir o máximo possível do novo material de estudo.

Instalações médicas em geral exigem que o corpo venha com todos os órgãos. Ou seja, você não pode doar o seu corpo se ele não vier com todo o conteúdo interno. Outros grupos médicos nem aceitam a doação de órgãos ou mesmo a doação do corpo todo. Quando todo o estudo é finalizado, o corpo é cremado e as cinzas mortais são devolvidas para a família. Vale ressaltar que é ilegal cobrar pela doação de corpos. Essa é uma prática estritamente ilegal.

Pontos positivos

Você está em cima do muro sobre se deve ou não deve doar o seu corpo para a ciência? Talvez você possa chegar a uma conclusão depois de conhecer alguns pontos positivos e negativos da doação de corpos.

O maior ponto positivo de doar o seu corpo é que você estará ajudando o avanço da ciência, medicina e potencialmente outros campos também. Os cadáveres são usados para ensinar os alunos sobre anatomia; eles também são usados por estudantes e médicos para praticar e treinar várias cirurgias. Além disso, os corpos também são usados em diversas experiências médicas para estudar doenças como a de Parkinson e de Alzheimer.

Outra vantagem de doar o corpo para a ciência e a possibilidade de poupar uma boa grana no processo. Afinal, funerais e toda a preparação para o enterro ou cremação não são baratos. Em 2012, o custo médio de um funeral com caixão nos Estados Unidos estava em torno de R$ 18 mil. Mesmo uma cremação não sai por menos de R$ 4 mil e pode chegar facilmente aos R$ 15 mil se for executado com algumas regalias a mais.

A doação do corpo geralmente é um ato que não despende nenhum custo, mas isso pode ser diferente dependendo da empresa ou instituição que esteja recebendo essa doação. Outra vantagem de quem escolhe doar o corpo é a possibilidade de você não precisar escolher um caixão, uma lápide e todas essas outras coisas.

Pontos negativos

Como pontos negativos, é preciso dizer que nem todos os corpos podem ser aceitos. E isso por conta de razões médicas. Se você não tiver um plano alternativo, seus entes queridos terão que sofrer para organizar um funeral às pressas assim que você se for. O pior de tudo é lembrar os custos exagerados que um processo desses exige de todo mundo – ainda mais em um momento tão doloroso.

Se você é adepto a doação de órgãos, saiba que algumas organizações também aceitam o corpo inteiro como parte da doação. Grande parte das escolas médicas, inclusive, só aceitam os corpos com todos os órgãos internos, que serão utilizados para pesquisas. Se a doação de órgão é importante para você, certifique-se de saber como a instituição para a qual você está doando trabalha com essa questão.

Por último, é importante destacar que após a morte o seu corpo precisa ser entregue para doação rapidamente. Isso significa que a sua família não poderá experimentar um funeral completo com o seu corpo, podendo apenas fazer uma reunião com as cinzas depois da cremação. Por conta disso, muito desistem da doação de corpos porque preferem fazer uma despedida mais sentimental do corpo do falecido.

Formas criativas de Doação de corpo

Cada país que permite a doação de corpo tem as suas próprias regras que regulam essa prática. A maioria – não todos – são nações que permitem a utilização de cadáveres para treinar e ensinar estudantes de medicina a realizar pesquisas em várias doenças, tal como a já mencionada Alzheimer. Porém, outros países permitem que os corpos doados sejam usados de outras maneiras. Os seguintes usos, todos permitidos nos Estados Unidos, talvez possa despertar sua atenção mais do que a doação do corpo para a ciência.

Teste de velocidade: você gosta de viver experiência emocionantes, mesmo após a sua morte? Então o seu cadáver pode ser usado em testes de colisão. Apesar de a simulação em computadores e o uso de manequins já serem constantemente utilizados, nada se compara ao comportamento do corpo humano de verdade durante vários tipos diferentes de acidentes de carro.

Essa prática começou a década de 1930 na Universidade Wayne, em Indiana. Hoje as montadoras recebem os cadáveres a partir de um centro de ensino que não utiliza mais os corpos para estudos.

Estudos forenses: nem sempre é fácil definir há quanto tempo um corpo está morto ou concluir as verdadeiras condições de morte de determinada pessoa. Porém, graças a “fazenda de corpos” organizada pelo Centro de Antropologia Forense de Tennessee, essa tarefa pode se tornar um pouco mais fácil de ser concluída. Cerca de 650 cadáveres estão aguardando em um campo de concentração onde pesquisadores e estudantes chegam para estudar os vários estágios de decomposição.

Turnê bizarra: se você gosta de exibições extremamente bizarras, pode doar o seu corpo para corporações que usam os cadáveres para exposições ao redor do globo. Essas empresas pegam os corpos e tiram a gordura e água e inserem silicone para enrijecer o corpo. Nesse caso, os corpos não são simplesmente expostos para o público, mas algumas escolas podem fazer visitação para aprender mais sobre o corpo humano. É mais ou menos como doar o corpo para a ciência, mas sem a parte benéfica do ato.

Estudo sobre a formação do esqueleto: a Universidade do Novo México, que funciona em parceria com um museu de antropologia, está sempre a procura de corpos para expandir as pesquisas sobre a formação óssea. Não, os esqueletos não ficam em exposições, mas pesquisadores o utilizam para entender melhor como um dos órgãos mais resistentes do corpo humano funciona.

Ladrões de túmulos

Para encerrar, precisamos falar sobre os ladrões de túmulos que roubam corpos para vende-los no mercado negro. No início do século XIX, os estudantes de medicina de uma universidade britânica foram treinados utilizando cadáveres de criminosos que haviam sido sentenciados à morte. Os seus corpos haviam sido roubados de seus túmulos e foram escolhidos pois provavelmente ninguém os visitaria para prestar homenagem.

Felizmente, esse crime tem caído em desuso, mas ainda há casos de ladrões de túmulos. Alguns estudantes de medicina perceberam que era muito lucrativo desenterrar cadáveres e vende-los em escolas de medicina e outras instituições, como clínicas odontológicas que estavam à procura de arcadas dentárias.