A história (verdadeira) dos fantasmas do Teatro Amazonas

06/07/2014
A história (verdadeira) dos fantasmas do Teatro Amazonas (1)

 

Hoje eu vou compartilhar um texto que li no Curiosamente que por sua vez extraiu do site do escritor Márcio Souza. Eu não acredito em fantasmas, mas esta história é no mínimo interessante e misteriosa. Gostaria de saber a opinião de vocês!

Não acredito em fantasmas, mas acredito em fantasia. Por isso, falar dos fantasmas do Teatro Amazonas é imprescindível. A primeira vez que tomei contato com tais fenômenos paranormais, foi em 1965. Minha saudosa amiga, a atriz Glauce Rocha, estava em Manaus com a peça “Um Uisque para o Rei Saul”, sob a direção de B.de Paiva. Na véspera da estréia, Glauce ensaiava no palco, para uma reduzida platéia de amigos, quando seu trabalho foi interrompido pelos gritos de pavor de um dos assistentes de B.de Paiva. Era um jovem argentino bastante atlético, que fazia contra-regra, não exatamente o tipo impressionável. Ele havia descido para a parte de baixo do palco, em busca de um objeto de cena, quando se deparou com aquele estranho cavalheiro, em roupas do século XVIII, peruca marteau, o rosto marcado por um triste sorriso.

A história (verdadeira) dos fantasmas do Teatro Amazonas (2)

A figura fez-lhe uma reverência e, virando-se, caminhou etereamente até desaparecer na parede, como é típico dos fantasmas. Bem, o rapaz deu um tremendo vexame, mas o administrador do Teatro Amazonas, o perene Aldomar Bonates, cortou a histeria com a flaugmática observação de que era claro que ali existiam fantasmas, toda ópera que se preza tem o seu fantasma, e encerrou o assunto.

Depois fiquei sabendo que a aparição do cavalheiro era coisa corriqueira. Tratava-se da alma de um ator italiano que morrera vitimado pela malária, em 1912, e teimava em perambular pelas coxias e camarotes, ainda trajando o figurino de sua peça derradeira, “A Dama das Camélias”, onde interpretava o pai de Armand.

E mais, a alma era conhecedora das artes do piano, pois certa tarde, quando a pianista Gerusa Mustafa ensaiava com grande inspiração uma polonaise, ouviu aplausos e ao se virar, deparou com o gentil homem a ovacioná-la. Gerusa nunca mais ensaiou sozinha no Teatro Amazonas.

Mas o fantasma do inditoso ator não é habitante solitário do Teatro Amazonas. Segundo o poeta Farias de Carvalho, também dado às artes do oculto, ali há quase um elenco completo, capaz de encenar facilmente um “Barbeiro de Sevilha”. A explicação é simples: muitos artistas europeus sucumbiram aos males dos trópicos, e ficaram por ali mesmo, talvez por não haver paraíso melhor a um artista da cena que o próprio teatro. De acordo com as investigações do poeta Farias de Carvalho, todos os anos, no dia 31 de dezembro, no aniversário do Teatro Amazonas, esses criativos espectros encenam “La Gioconda” integralmente, ora sob a regência do maestro Benário Civelli, morto de febre amarela em 1899, ora sob a batuta do maestro Genivaldo Encarnação, regente natural do Ceará e infaustamente morto numa briga na Pensão da Mulata. O maestro Encarnação levou oito facadas ao tentar defender uma linda polaca das garras de um rufião. Farias de Carvalho assegura que as récitas do maestro brasileiro são superiores, inclusive levando-se em conta que a ecologia da outra vida é hostil ao talento.

Por tudo isso, em 1973, quando o governador João Walter de Andrade decidiu restaurar integralmente o Teatro Amazonas, fiquei extremamente preocupado com o sossego dos habitantes metafísicos da casa. À época, eu pertencia ao TESC, e tínhamos um pequeno teatro na sede social do SESC, na rua Henrique Martins. Era um teatrino elisabetano, para 60 pessoas, tão modesto que os amazonenses, acostumados com a monumentalidade de seu Teatro, ao entrar no nosso teatrinho, iam direto aos camarins perguntar onde ficava o teatro.

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Quando percebemos que a reforma ia praticamente desmontar o Teatro Amazonas, o grupo TESC encenou um espetáculo de músicas e poesia, à meia-noite de um dia de março de 1973, e convidamos os fantasmas do Teatro Amazonas a se mudarem temporariamente para o nosso teatrinho. O teatrinho do SESC à época não era assombrado, embora hoje se afirme que vez ou outra pode ser visto o vulto de uma linda mulher vestida de índia, que eu desconfio que seja a alma feliz de Fátima Andrade, eternamente fazendo Inhambu em “A Paixão de Ajuricaba”. O certo é que os fantasmas aceitaram o convite, e ficaram durante toda a obra, regressando ao Teatro Amazonas junto com o elenco do TESC, quando este encenou logo após a reinauguração, a ópera “Dessana, Dessana”. Digo que aceitaram o convite, porque o incrédulo ator Moacir Bezerra, depois de declarar que não acreditava em fantasmas, teve uma prova cabal de que eles estavam todos lá, e com o senso de humor teatral afinadíssimo.

Uma tarde, Moacir Bezerra foi a teatrinho para afinar algumas varas de cenários. Chegou ao SESC, pegou a chave da porta, entrou e foi fazer o serviço. Estava lá em cima do palco, sobre os urdimentos, quando ouviu alguns acordes no violão de doze cordas de Luís Carlos Santos. Parou o serviço e olhou para baixo, mas não viu ninguém, e o violão repousava encostado no banquinho usado pelo músico. Distraiu-se novamente em seu trabalho, quando foi atraido pelo som da bateria, um verdadeiro repique jazístico. Irritado, certo de que alguém estava querendo lhe pregar uma peça, desceu para o palco, onde encontrou o vazio e uma vela, uma vela acesa. Moacir apagou a vela, furioso com a irresponsabilidade, que poderia causar um incêndio, mas buscou em vão o irresponsável em todas as dependências do teatrinho. Não havia ninguém, ele estava com a única chave do teatro, e ao buscar novamente a vela, notou que ela parecia nova, sem apresentar sinal de que tivesse experimentado fogo anteriormente. Como bom ator que é, Moacir entendeu a mensagem. Em homenagem àqueles inquilinos temporários do teatrinho, Moacir recitou um solilóquio de “Hamlet”, bastante apropriado, e voltou aos urdimentos, completando o seu trabalho.

Teatro Amazonas. Originalmente publicado em “O Estado de São Paulo”, no suplemento comemorativo do centenário do Teatro Amazonas – 1998.

Márcio Souza , Escritor [Amazing Stories]