Doutor é quem tem doutorado

12/04/2012

Sim, Doutor é quem tem doutorado!
Assisto um erro muito comum que foi disseminado por um “engano” histórico que é chamar médico e advogado de Doutor. Quem faz uma graduação não é doutor. A pós-graduação stricto sensu , composta por mestrado e doutorado são os ultimos graus na escala do Ensino. Doutor é equivalente a PhD (Philosophiæ Doctor, atribuído nas universidades anglo-saxónicas.)  Assim sendo, Doutor é quem defende a tese de Doutorado e é aprovado pela banca. É o cidadão que conseguiu completar o terceiro ciclo do ensino superior e não apenas a graduação.

Segundo o Manual de Redação da Presidência da República, somente deverá ser chamado de doutor quem concluiu satisfatoriamente o curso acadêmico de doutorado. Ou seja, doutor é um título acadêmico e não um pronome de tratamento.

Como começou o erro?

Médicos: O termo começou a ser adotado para os médicos por uma adaptação da palavra “doctor” do inglês, “dottore” do italiano, “docteur” do francês, “doktor” do alemão, que significa nas respectivas línguas “médico”, isso no século XIX. Era comum as famílias mais ricas enviarem seus filhos para Europa ou para os Estados Unidos para estudar em faculdades renomadas, já que na época existia poucas faculdades de Medicina no Brasil. No retorno, os médicos traziam consigo a palavra que tomavam como referência. A população desinformada, relacionava as palavras estrangeiras com o nosso “doutor”, que tem a origem etimológica nas invasões indo-européias, de onde surgiu a raiz dok-, da qual provém a palavra latina docere, que por sua vez derivou em doctoris, que significa “Mestre, O que ensina, Aquele que entende”

Advogados: O site Jus Brasil deu uma excelente explicação sobre o surgimento do erro para designação do título acadêmica doutor ao bacharel de Direito:

“A história que se contava era a seguinte: Dona Maria, a Pia, havia “baixado um alvará” pelo qual os advogados portugueses teriam de ser tratados como doutores nas Cortes Brasileiras. Então, por uma “lógica” das mais obtusas, todos os bacharéis do Brasil, magicamente, passaram a ser Doutores. Não é necessária muita inteligência para perceber os erros desse raciocínio. Mas como muita gente pode pensar como um ex-aluno meu, melhor desenvolver o pensamento (dizia meu jovem aluno: “o senhor é Advogado; pra que fazer Doutorado de novo, professor?”).

1) Desde já saibamos que Dona Maria, de Pia nada tinha. Era Louca mesmo! E assim era chamada pelo Povo: Dona Maria, a Louca!

2) Em seguida, tenhamos claro que o tão falado alvará jamais existiu. Em 2000, o Senado Federal presenteou-me com mídias digitais contendo a coleção completa dos atos normativos desde a Colônia (mais de quinhentos anos de história normativa). Não se encontra nada sobre advogados, bacharéis, dona Maria, etc. Para quem quiser, a consulta hoje pode ser feita pela Internet.

3) Mas digamos que o tal alvará existisse e que dona Maria não fosse tão louca assim e que o povo fosse simplesmente maledicente. Prestem atenção no que era divulgado: os advogados portugueses deveriam ser tratados como doutores perante as Cortes Brasileiras. Advogados e não quaisquer bacharéis. Portugueses e não quaisquer nacionais. Nas Cortes Brasileiras e só! Se você, portanto, fosse um advogado português em Portugal não seria tratado assim. Se fosse um bacharel (advogado não inscrito no setor competente), ou fosse um juiz ou membro do Ministério Público você não poderia ser tratado assim. E não seria mesmo. Pois os membros da Magistratura e do Ministério Público tinham e têm o tratamento de Excelência (o que muita gente não consegue aprender de jeito nenhum). Os delegados e advogados públicos e privados têm o tratamento de Senhoria. E bacharel, por seu turno, é bacharel; e ponto final!

4) Continuemos. Leiam a Constituição de 1824 e verão que não há “alvará” como ato normativo. E ainda que houvesse, não teria sentido que alguém, com suas capacidades mentais reduzidas (a Pia Senhora), pudesse editar ato jurídico válido. Para piorar: ainda que existisse, com os limites postos ou não, com o advento da República cairiam todos os modos de tratamento em desacordo com o princípio republicano da vedação do privilégio de casta. Na República vale o mérito. E assim ocorreu com muitos tratamentos de natureza nobiliárquica sem qualquer valor a não ser o valor pessoal (como o brasão de nobreza de minha família italiana que guardo por mero capricho porque nada vale além de um cafezinho e isto se somarmos mais dois reais). ”

[…] Vamos enterrar tudo isso com um só golpe?!

Lei de 11 de agosto de 1827, responsável pela criação dos cursos jurídicos no Brasil, em seu nono artigo diz com todas as letras: “Os que frequentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com aprovação, conseguirão o grau de Bachareis formados. Haverá tambem o grau de Doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos que devem formar-se, e só os que o obtiverem poderão ser escolhidos para Lentes”.

Traduzindo o óbvio. A) Conclusão do curso de cinco anos: Bacharel. B) Cumprimento dos requisitos especificados nos Estatutos: Doutor. C) Obtenção do título de Doutor: candidatura a Lente (hoje Livre-Docente, pré-requisito para ser Professor Titular). Entendamos de vez: os Estatutos são das respectivas Faculdades de Direito existentes naqueles tempos (São Paulo, Olinda e Recife). A Ordem dos Advogados do Brasil só veio a existir com seus Estatutos (que não são acadêmicos) nos anos trinta.

E aí, esclarecemos? Agora que você sabe disso, adote a idéia e passe adiante. É no mínimo, uma injustiça tremenda um graduado do primeiro ciclo do superior ganhar o título acadêmico de Doutor. Fazendo uma analogia, seria a mesma coisa que você dá o diploma do ensino médio para quem acabou de passar do quinto ano do ensino fundamental.

Deixo claro que não questiono em momento algum a importância dos cursos, muito menos o esforço que é empregado para a formação nos mesmos. Entretanto, temos que ter consciência que todo mérito atribuído a quem desmerece é um ato de corrupção. Quem quiser o título de Doutor que se sujeite a intensa maratona de estudos, se submeta a dificuldade. Não fique se apoiando em um erro nascido da ignorância de um povo.