O time de futebol que ousou desafiar Hitler e o nazismo

21/01/2013
O time de futebol que ousou desafiar Hitler e o nazismo (1)
O time de futebol que ousou desafiar Hitler e o nazismo (1)

A história do futebol mundial inclui milhares de episódios emocionantes e pra não dizer comoventes, mas com certeza não é tão ruim quanto esta que iremos falar hoje sobre os jogadores que fizeram parte do Dínamo FC dos anos 40.

Estes bravos jogadores que jogaram um jogo sabendo que se ganhassem seriam assassinados e, no entanto decidiram ganhar. Na morte deram uma lição de coragem, dignidade, de vida e honra. Mas para compreender esta dura decisão, você deve saber como eles tiveram que participar esse jogo decisivo, e por que um simples jogo de futebol se tornou o momento crucial de suas vidas.

A mais famosa versão deste jogo foi ilustrada no filme Victory de 1981, estrelados por John Huston, Stallone, Michael Caine, Ardiles e Pelé.

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Mas sem dúvidas é também o mais distante da verdade, pois no filme o jogo termina em um empate e nenhum jogador morre. A realidade dos 11 jogadores ucranianos em um campo ocupado pelos nazistas era muito diferente e terminou muito pior que na ficção.

Tudo aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial no ano de 1942, entre um combinado exército nazista e o Dynamo FC de Kiev na Ucrânia. Um de seus principais promotores foi Iosif Kordik, um homem taciturno e cruel que o conhecia apenas uma paixão: o futebol. Como a maioria dos fãs do esporte na Ucrânia, Kordik era fã do Dínamo FC, um time que já na época estava entre os melhores da Europa.

Andando um dia nas ruínas de sua cidade, Kordik sentiu seu coração bater mais forte, quando se deparou em uma calçada frente a frente com um de seus ídolos, o goleiro Trusevich. Para entender o que deve ter passado pela sua cabeça naquele momento, imagine nosso Brasil sendo ocupado pelo exército inimigo, ver nossos ​​campeões brasileiros andarem de trem e de repente vermos com fome e em trapos, Ronaldinho Gaúcho em uma esquina qualquer. Foi no mínimo um encontro estranho, e mais estranho ainda, se acrescentarmos que a guerra já tinha invertido os papéis e agora ver que ele tem mais poder que Kordik. O que em outros tempos culminaria em pedidos de autógrafo e gritos alucinantes, agora vemos o início de um sonho: de ver Trusevich trabalhando para Kordik.

Kordik, que trabalhou para os nazistas, não lhe deu asilo ou ou praticou piedade humanitária, mas sim porque ele gostava da idéia de estar cercado por suas estrelas, e também da miséria oferecida para os melhores jogadores do país e muitos outros atletas de outras disciplinas. Além de um emprego estável e um pouco de pão oferecido cada dia ele oferecia algo quase tão importante: a capacidade de jogar futebol. No pátio de sua padaria ele começou a formar a equipe dos sonhos de Kiev e de toda a Rússia.

Depois de alguns meses após a invasão da Ucrania o FC Start se iniciou, e os nazistas tentaram restaurar algum tipo de normalidade na cidade de Kiev ao criar uma nova liga com seis equipes de futebol formada por soldados alemães ou de exércitos aliados ao Reich, um dos colaboradores dos ucranianos (treinados por Rukh) e FC Start. Para a abertura do campeonato os padeiros desnutridos que não tinham nem chuteiras lutaram com a equipel local dos colaboradores de barriga cheia e roupas limpas. A equipe de Kordik com seu goleiro Trusevich os venceu por 7 a 2. Os camaradas da fábrica de pão jogaram com camisas vermelhas, e eram todos membros do Partido Comunista, que por sua vez não escondeu o desagrado. A vitória contra os colaboradores não foi a melhor propaganda para o governo da suástica, então o treinador Rukh, um ucraniano que trabalhou para os nazistas, levou as autoridades a proibirem a partir de então, que o FC Start jogasse no grande estádio de Kiev. Mas mesmo após serem transferidos para estádio menor, não os impediram de continuar sua série de vitórias e goleadas (ele reivindicavam uma goleada de 11 a 0 contra a equipa romena).

Enquanto mais e mais pessoas lotavam o pequeno estádio, Rukh abrigava soldados entendiados dentro do estádio grande.
Os alemães então trouxeram da Hungria um time chamado MSG, para derrotar os ucranianos, mas não adiantou muito. Os jogadores-padeiros, mesmo após virar a noite trabalhando na fábrica, venceram os húngaros por 5 a 1. E na revanche, o placar de 3 a 2 para o Start mostrava definitivamente que os alemães deveriam conter aquele símbolo de resistência. Pelo menos eles pensavam desta forma.

FC Start X Flakelf, “o time da Luftwaffe”

Segundo Andy Dougan, no livro “Futebol e guerra: resistência, triunfo e tragédia do Dínamo na Kiev ocupada pelos nazistas”, o time convocado pelos oficiais alemães que estavam em Kiev foi o Flakelf, considerado na época um time de respeito, formado apenas por militares da Luftwaffe, a força aérea alemã. Inclusive este time servia de instrumento da propaganda nazista e suas glórias serviam de exemplo para justificar a “superioridade da raça ariana”.

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Não adiantou trazer de longe um time da “raça superior”. No dia 6 de agosto de 1942 o FC Start, que já desfrutava do respeito e da admiração do povo de Kiev, goleou o poderoso Flakelf por vergonhosos 5 a 1. Depois desta derrota os alemães descobriram, enfim, que os inocentes padeiros que envergavam a camisa do FC Start na verdade eram os antigos jogadores do Dínamo de Kiev.

A ordem para matar todos os jogadores veio depressa de Berlim. Mas os oficiais sabiam que apenas matá-los não faria efeito. Pior que isto, criaria mártires desnecessários, além de deixar na população a imagem de jogadores vencedores que lutaram contra o nazismo. Decidiram então marcar uma revanche para o dia 9 de agosto.

O “jogo da morte”

O ambiente em Kiev era pesadíssimo, com provocações dos dois lados. Os soldados alemães estavam envergonhados e a população exultante com o feito de seus heróis. O estádio Zenit estava lotado para a partida – ao lado, o cartaz fazendo “propaganda” da revanche -, e os jogadores do FC Start receberam antes do jogo a visita de um oficial alemão que ordenou que na hora em que o árbitro também alemão entrasse em campo  ele deveria ser recebido por todos os jogadores com a saudação nazista, mãos direitas estendidas à frente e o grito “Heil Hitler”.

Na hora os jogadores do Flakelf fizeram a saudação, mas os jogadores do FC Start colocaram suas mãos direitas no peito e gritaram “Fizculthura!”, um grito soviético comum aos atletas daquela época.

Os alemães até saíram na frente, mas o primeiro tempo terminou 2 a 1 para os ucranianos. No intervalo eles sofreram novas ameaças dos oficiais da SS, até pensaram em desistir da partida, mas no fim do intervalo resolveram voltar a campo. E apesar de todas as jogadas violentas dos alemães que eram ignoradas pela arbitragem, foi um massacre! 5 a 3 para os ucranianos, com direito a um lance humilhante do atacante Klimenko: ele recebeu a bola de frente para o gol, driblou o goleiro e, com a bola em cima da linha, virou-se e chutou-a para o meio do campo, negando o gol, mas humilhando completamente os alemães. A torcida foi ao delírio!

De fato, além das nuances, é que os jogadores do Start FC sabiam que estavam arriscando suas vidas, mas eles não se importavam. Pela segunda vez, o campo foi cercado por soldados. Trusevich, o goleiro, que no primeiro semestre havia recebido um chute na cabeça que o deixou inconsciente por vários minutos, agora ele foi atacado pela torcida com todos os tipos de objetos. No entanto, a pressão dos fãs para intimidar não surtiu efeito e o jogo terminou 5 a 3 para FC Start, mas a humilhação real era um objetivo que nunca se materializou, o sexto gol invisível: Alexei Klimenko, que era como Maradona para os argentinos, esquivou-se da defesa inteira, incluindo o goleiro, chegou até o gol e em vez de empurrar a bola para dentro, a chutou de volta para o centro do campo. Temendo uma humilhação ainda maior, o árbitro encerrou a partida antes dos 90 minutos.

Os alemães agiram, aparentemente, como bons perdedores. O FC Start ainda jogou mais uma partida contra uma outra equipe e também venceu este jogo, mas poucos dias depois a festa acabou: funcionários da Gestapo em trajes civis chegaram à fábrica com uma lista de nove jogadores da ex-Dínamo de Kiev. Um a um, eles foram presos e levados para a sede da polícia secreta alemã. Todos os jogadores eram membros do Partido Comunista mas Nikolai Korotkykh era um agente ativo da polícia russa, sendo assim eles atiraram no mesmo momento. O resto foi sistematicamente torturado um por dia no campo de concentração Siretz, conhecido por tiroteios em massa e pelo sadismo selvagem de seus guardas. Apenas quatro dos nove jogadores conseguiram escapar, o restante morreu ou desapareceu sem deixar rastros.

Até hoje estes atletas são lembrados pelo Dínamo de Kiev. Na frente de seu estádio existe um monumento erguido em 1971 em homenagem aos atletas que morreram defendendo, antes de tudo, a liberdade e o esporte. No monumento está gravada a frase:

“Aos jogadores que morreram com a cabeça levantada ante o invasor nazista.”

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O exemplo dos jogadores do Dínamo certamente ajudou a inflamar a resistência aos nazistas. No dia 6 de novembro de 1943 Kiev foi retomada pelos soviéticos e a história do jogo foi espalhada entre as fileiras russas, tomando ares de lenda com o passar das semanas.

Dizem inclusive que os jogadores do Dínamo, quando casam, vão ao monumento depositar flores em homenagem à memória dos jogadores mortos. E as pessoas que até hoje tem os ingressos daquela partida em 1942 tem assento cativo no estádio.

Com relação à “lenda”, costuma-se aumentar ou diminuir uma passagem da história de acordo com o lado que conta a mesma. A verdade é que o Dínamo era sim um timaço na época e não podemos negar seu exemplo de heroísmo. Não sabemos ao certo se os placares dos jogos foram exatamente aqueles, mas a “lenda” permanece viva.

Confira abaixo um documentário feito pela ESPN americana sobre a história do FC Start:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=3wcqJ9MAnYo

Fontes

Media Vida | História Zine | Jovem Nerd | Tudo sim é história