Zé Alfaiate, o negro que virou senhor de escravos

22/11/2016
Zé Alfaiate - A história dos negros que traficavam escravos

A escravidão é uma das grandes manchas na história da humanidade. E os negros com certeza foram os que mais sofreram por conta da discriminação e preconceito. Sentimentos que infelizmente persistem até hoje em algumas sociedades. Porém, há uma face dessa narrativa que infelizmente fica oculta ao falarmos do Tráfico Negreiro: a ação de negros que traficavam escravos, independentemente da cor e condição social do indivíduo.

Parece contraditório, mas soa extremamente natural ao analisarmos as motivações dos homens. Tudo o que os traficantes de pessoas (negros ou não) queriam era dinheiro e lucro, o que os convidada a fazer qualquer coisa, inclusive praticar aquilo para o qual um dia foram vítimas. Além do sentimento de vingança, a ganância subiu à cabeça de muitos homens que se apoiaram nessa prática inescrupulosa de forçar o trabalho para ganhar a vida.

Neste artigo, não queremos fazer uma defesa à escravidão praticada por qualquer tipo de grupo. Desejamos apenas mostrar que o Tráfico Negreiro, embora protagonizado pelo branco como traficante, também teve a presença do homem negro no papel de escravizador. Isso, infelizmente, mostra como a sociedade ainda precisa melhorar muito para alcançar os ideais de igualdade e liberdade tão proclamados por aí.

Negro açoitando outro negro - A história dos negros que traficavam escravos

O maior desejo do escravo

O historiador Marco Antônio Villa e o jornalista Leandro Narloch são os expoentes que mostram esse panorama aparentemente controverso da escravidão. Ambos confirmam que o maior desejo dos negros escravizados era obter a liberdade. Afinal, viver sob as ordens de um senhor cruel não era o sonho de qualquer ser humano. Mas e depois disso? Acredite: o maior sonho dos negros depois de obter a liberdade era possuir seus próprios escravos. Paradoxal, não é mesmo?

A prova disso é o fato de que muitos traficantes de escravos que traziam pessoas para o Brasil era eles mesmos negros. Esses indivíduos não apenas vendiam escravos para os portugueses na costa africana, mas também eram donos de navios que traziam escravos para terras brasileiras. Durante o trajeto, faziam aquilo que haviam sofrido: acoitavam, acorrentavam e mantinham os escravos em porões imundos. Os fracos eram jogados no mar para servir de comida para tubarões.

No final do século XVIII, o maior traficante de escravos para o Brasil era um negro. Assim, surge o questionamento polêmico, mas oportuno: quantos estudantes cotistas que estão hoje nas universidades não são eles mesmos descendentes de negros que eram senhores de escravos?

A história dos negros que traficavam escravos

O negro que virou senhor de escravo

Registros contam a história do escravo negro José Francisco dos Santos. Ele conquistou a sua liberdade depois de anos de escravidão na Bahia comprando a sua própria carta de alforria ou ganhando-a de algum amigo rico. Livre desse sistema, ele finalmente poderia desfrutar da liberdade que havia perdido ao ser capturado na África e trazido a força em um navio anos atrás.

José era conhecido como “Zé Alfaiate” por causa de sua profissão como costureiro. Porém, o ex-escravo resolveu dar um rumo diferente para a sua vida. Assim, partiu para a África para operar o mesmo comércio do qual havia sido vítima. Lá, ele se tornou traficante de escravos após se casar com a filha do maior traficante do país. A partir daí, começou a envia ouro, azeite de dendê e negros como escravos para vários portos da América e da Europa.

Cartas encontradas pelo fotógrafo Pierre Verger dão um panorama verídico a essa realidade. Elas foram coletadas do neto de Zé Alfaiate. Uma coleção de 112 documentos escritos pelo ex-escravo entre os anos de 1844 e 1871. Nelas, encontramos mensagens enviadas para os “clientes” do traficante. Ele fazia negócios em cidades como Rio de Janeiro, Salvador, Marselha (França), Habana (Cuba) e Bristol (Inglaterra).

Zé Alfaiate - A história dos negros que traficavam escravos

Vingança?

É difícil explicar o que motivou José Francisco dos Santos a se tornar um senhor de escravos. Tento vivenciado esse tipo de experiência, ele sabia exatamente a dor e o sofrimento que uma pessoa nessa situação passava. Talvez movido por um desejo de vingança, Zé Alfaiate tenha tentado repetir com outros o que ele próprio sofreu. E isso provavelmente na tentativa de lucrar mais do que com os serviços de costura.

O tráfico de pessoas era comum mesmo na África antes da chegada dos europeus. Por isso, era “natural” enxergar essa possibilidade como uma chance fácil de ganhar dinheiro. Porém, nenhuma explicação apaga o caráter paradoxal de que às vezes o mesmo indivíduo pode ser o escravo e o traficante em uma mesma vida. Esse é o caso do Zé Alfaiate, que foi ao mesmo tempo vítima e carrasco da escravidão.

Há ainda muitas outras histórias que mostram essa face negra da história da escravidão. A sociedade ainda tem marcas profundas do Trafico Negreiro. Essa é apenas uma das várias manchas deixadas pelos próprios negros nessa narrativa repleta de dor e sofrimento.