A América das Armas… um tema tabu?

19/01/2016

O direito ao porte de armas é garantido pela Constituição americana, e qualquer debate sobre um maior controle é coberto por argumentos exasperados de ambos os lados. Ano eleitoral torna o diálogo ainda mais difícil.

No seu último discurso sobre o Estado da União, o presidente americano Barack Obama foi sutil ao tratar do controle de armas nos Estados Unidos. Diferente da semana anterior, quando fez um discurso emocionado (com lágrimas polêmicas) contra a violência armada, seguido de um artigo no jornal The New York Times e um debate na emissora CNN, nesta terça-feira (12/01/2016) Obama mal tocou no assunto e preferiu tratá-lo de forma simbólica: com uma cadeira vazia ao lado da primeira-dama, Michelle Obama, para representar as vítimas da violência armada.

O gesto mostra quão delicado é o tema e quão polarizados são os pontos de vista no país. Desde que anunciou medidas para intensificar o controle de armas nos Estados Unidos, driblando um intransigente Congresso de maioria republicana, políticos e grupos pró-armamento acamparam numa luta contra o que consideram ser uma investida do líder democrata para tomar as armas da população. O pré-candidato republicano à presidência Ted Cruz – segundo nas intenções de voto nas primárias – chegou a criar uma página online com uma foto do presidente em roupa militar ao lado da frase “Obama quer as suas armas”, e um espaço para registo do apoiante contra o pacote do governo.


Em pleno ano eleitoral, o ataque faz barulho justamente porque, de fato, grande parte dos americanos não pondera discutir a Segunda Emenda à Constituição, aprovada em 1791 para garantir o direito de manter e portar armas, num contexto de luta pela independência do império britânico. De acordo com o centro de pesquisa Pew Research Center, atualmente metade da população acredita que proteger o direito de possuir armas é mais importante do que controlar a posse das mesmas. Outro estudo, publicado em 2014 pelo instituto Gallup, revelou que 63% dos americanos acreditam estar mais seguros com um revólver em casa.

 

Menos armas, menos mortes

Uma cena no debate da CNN na última quinta-feira ilustra o quão herméticos são os americanos em relação ao debate. Uma mulher na plateia, vítima de estupro a mão armada, disse que, para ela, carregar uma arma para proteger os filhos é sua “responsabilidade como mãe”, e que a proposta do governo deixa sua família mais insegura.

Em resposta, Obama ressalvou que não há nada proposto que poderia tornar mais difícil para ela obter uma arma. “Mas você certamente gostaria que tivesse sido um pouco mais difícil para aquela pessoa que a atacou conseguir uma arma”, disse o presidente americano, com cautela.

As medidas propostas por Obama pretendem reforçar e ampliar o controlo de antecedentes dos compradores de armas em lojas, feiras ou pela internet. O governo promete ainda acelerar o processo de verificação do perfil do comprador e coibir a venda para condenados por crimes graves, de violência doméstica, dependentes de drogas e pessoas com problemas mentais. O objetivo é impedir que armas “caiam nas mãos erradas”.

Antes do anúncio do governo, um levantamento do Pew Research Center mostrava que 85% dos americanos na verdade apoiam a ampla investigação de antecedentes de compradores de armas. No entanto, esse apoio acaba por ser controverso na prática: muitos entrevistados que concordavam com a verificação dos compradores mostraram-se reticentes a leis estabelecendo as medidas.

Além da autodefesa, especialistas em violência nos EUA ressaltam que outros fatores levam a população a ser favorável ao porte de armas. Praticantes da caça, por exemplo, também não querem abrir mão do direito de comprar suas espingardas. O diretor do Centro de Pesquisa em Proteção da Universidade de Michigan, Marc Zimmerman, ressalva ainda a desconfiança de alguns grupos, especialmente no sul do país, sobre qualquer ação do governo federal. Ele lembra um episódio ocorrido há sete meses no vilarejo de Christoval, no Texas, quando moradores ficaram “em alerta” durante um treino militar na região, por receio de que o Exército pudesse tomar o estado e as armas dos cidadãos.

“Este receio é totalmente irracional”, diz Zimmerman, observando que o governo nem teria como recolher as mais de 300 milhões de armas que se encontram nas mãos de civis atualmente. Ele salienta ainda a força do lobby da Associação Nacional do Rifle (NRA) contra qualquer medida que possa interferir no comércio de armas.

Entusiastas pró-controlo, por sua vez, afirmam que não é por acaso que estados americanos com leis mais restritivas com relação à aquisição de armas registam menores índices de morte por armas de fogo. Enquanto em 2013 o número de mortes no estado de Nova Iorque foi de 4,3 por cada 100 mil habitantes, o Alabama registrou 17,6 mortes por 100 mil.

 

Direito deve ser mantido

Mesmo quem não tem ou não pensa em comprar uma arma, defende a manutenção do direito estipulado pela lei. “Há situações em que se precisa, situações imprevisíveis que acontecem se mora no campo, por exemplo, longe de tudo”, acredita Daren Clark, 50 anos. “Só não vejo motivos para ter um revólver se mora na cidade. Há histórias de crianças que se matam com essas armas”, pondera Clark, que trabalha num bar em Chicago.

Embora não se sinta “nem um pouco seguro” com a ideia de ter uma pistola ao alcance das mãos, o especialista em segurança cibernética Igor Lokotkin, 33, concorda que o direito de adquirir uma deve continuar existindo. “As pessoas precisam ter a liberdade de fazer o que pensam ser melhor para elas, mas acho que a capacidade de portarem uma arma precisa ser testada. Tem muito louco armado por aí”.”

“Sou a favor da liberdade de escolha, mas ter uma arma é uma responsabilidade. Deveria haver um controlo anual do registo, como acontece com carros”, opina o gerente de projetos Mike Leary, 34. Para ele, a investigação de antecedentes não deveria causar polêmica, já que se trata da segurança de todos. E, embora não seja a solução para os crimes envolvendo armas, é um começo para tentar reduzi-los, ele diz. “Está existindo uma exploração dos mais desinformados, com a ideia de que o Obama quer tomar as armas.”

Marc Zimmerman vai um pouco além: a ideia de ter uma arma para se defender, por si só, para ele, está equivocada. Zimmerman afirma não conhecer nenhum estudo que comprove que, ao portar uma pistola, uma pessoa está menos propensa a morrer. “E mesmo para cada história que ouvimos de alguém que conseguiu se defender, há tantas outras trágicas envolvendo crianças ou adultos foram vítimas das próprias balas.”

Aqui no Brasil

A Comissão especial da Câmara dos Deputados que analisou mudanças no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03) aprovou no dia 3 de novembro de 2015 a criação do Estatuto de Controle de Armas de Fogo, revogando o estatuto vigente. O texto aprovado, que segue para a análise do Plenário, é um substitutivo do relator, deputado Laudivio Carvalho (PMDB-MG), para o Projeto de Lei (PL) 3722/12 e outros 47 projetos apensados.

Só depois de passar pelo Senado, será analisada pela presidente Dilma Rousseff (PT).

Se for sancionada sem alterações, a nova regra permitirá que qualquer pessoa com mais de 21 anos, com capacidade técnica e psicológica comprovada, possa comprar armas de fogo .

Como funciona hoje?

O cidadão que deseja comprar uma arma deve ter ao menos 25 anos de idade, justificar a necessidade do porte e comprovar sua capacidade técnica e psicológica para o manuseio da arma de fogo.

O requerimento deve ser feito em uma das delegacias da Polícia Federal (PF). O registro custa 60 reais e é válido por três anos, com comprovação periódica dos requisitos.

Pessoas condenadas pela Justiça ou que respondam a processos criminais não podem obter a licença – no processo de aquisição, o histórico de antecedentes criminais é analisado pela PF. Pela lei atual, não é permitido sair armado à rua.

Para quem consegue o registro, a lei permite a posse de seis armas e a compra de até 50 munições por ano para cada uma.

O que pode mudar?

A proposta do deputado Laudívio Carvalho (PMDB/MG) dá consentimento de compra aos cidadãos a partir de 21 anos de idade e também permite que deputados e senadores possam andar armados.

Com a nova proposta, até mesmo pessoas com pendências na Justiça poderão requisitar o porte de armas.

“Estando a arma registrada, o seu proprietário terá o direito de mantê-la e portá-la, quando municiada, exclusivamente no interior dos seus domicílios residenciais, de suas propriedades rurais e dependências destas e, ainda, de domicílios profissionais, ainda que sem o porte correspondente”, diz o texto do projeto de lei.

No novo estatuto, a primeira licença será gratuita e válida por dez anos. Além disso, o número de armas para cada cidadão pode ser ampliada para nove objetos e até 600 munições ao ano.

Debate

Em vídeo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso classificou a decisão como um escândalo. “Como é que vamos agora derrubar esse estatuto e permitir que pessoas, até criminosos, tenham, legitimamente, armas?”, afirmou.

“Sabendo que cidadãos de bem estarão armados, alguns criminosos serão eliminados. E é bom que se faça uma limpeza, um faxina, porque chega de morrer trabalhador e cidadão de bem”, afirmou, em nota, o deputado federal João Rodrigues (PSD-SC) – que faz parte da comissão que aprovou a nova regra.

Por dia, cerca de 116 pessoas são mortas no Brasil vítimas de armas de fogo, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Hoje, existem cerca de 15,2 milhões de armas nas mãos de brasileiros, segundo estimativa do Mapa da Violência 2015. Desse total, 8,5 milhões ainda não foram registradas e quase 4 milhões seguem nas mãos de criminosos.

Em nota técnica, o Instituto Igarapé afirma que o Estatuto de Desarmamento influenciou a reversão do crescimento do número de mortes no país nos últimos anos.

Segundo o estudo, entre 1993 e 2003, a taxa anual de mortes provocadas por armas de fogo cresceu 6,9%. Entre 2004 e 2012, a média anual de crescimento de assassinatos desse tipo caiu para 0,3%.

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